Avós velhos sobre velhos bisavós

Lá vai o Velho Peres, corajoso novamente: depois de escapar de guerra imperialista enfrentar fome e medo,
lidar com a terra, assumir a mulher e os filhos do Velho Martins, conquistar o chão que não era de seu pai, fugir da sombra do que poderia ter sido; apartar mais uma briga dos vizinhos de sítio, não era excesso algum.
Lá vai o Velho Peres, corajoso novamente: com mulher não se brinca, em mulher não se bate, por mulher não se abate. E isto sabia bem.
Dona Alice é quem expulsara o Velho Martins do casebre. Foice em punho, trouxa ao chão e voz firme: "Dessa porta cê num passa mais!". Ninguém sabe ao certo a causa, mas Velho Martins era inatururável e seu destino foi andarilhar por ruas mineiras o resto da existência.
Também foi Dona Alice quem escolhera Velho Peres por marido e só assumiram em papel e sacramento depois de duplo batismo tardio. Amor unido até na crença.
Lá vai o Velho Peres, corajoso novamente: quem muito justo é, muita justiça lhe é cobrada.
A vizinha gritava e do longe do sítio se ouvia os lamentos e pedidos de misericórdia. Algo precisava ser feito: aquele que mais respeitoso era, era quem mais respeito poderia impor.
Lá se foi o Velho Peres, corajoso uma última vez.
Desta vez a foice que afugentou o Velho Martins, findou o Velho Peres de certeiro na cabeça, pelas mãos do vizinho: o marido ruim.
Dona Alice e os filhos ficaram sem o valoroso homem e a vizinha a perder as esperanças quando seu possível salvador deu o último suspiro, mas o marido ruim e ruidoso nunca mais se viu nem se ouviu.
O Velho Peres permanece vivo neste conto de um remate choroso que meu avós tentam amenizar com as memórias felizes do início que pouco se sabe convictamente, mas quer se fazer lembrar, nas noites com velas dos apagões urbanos, em dias de chuva e calor, como aquela.