"Vida"- Ballet Stagium - foto: Emídio Luisi

terça-feira, 17 de maio de 2011

Crônicas Uerjianas: Casos, pessoas e gatos

Quarta-feira, 30 de março, 19:30h. Um gato preto no caminho..."ah, é só superstição medieval".
No dia seguinte, hoje, pela manhã, o café parece intragável: resultado do pesado jantar de ontem. "Café da manhã é dispensável, indispensável é chegar na hora."
O trânsito está assustadoramente infernal."Tudo bem, a aula já está no meio, não no fim", mas já estava no fim: é quinta, processos geormorfólogicos só tem 2 tempos neste dia. Tentando ler no C.A e produzir no tempo vago entre uma aula e outra. Um burburinho, diferente dos rotineiros ruídos, preencheu os andares. "Ele se jogou."
Em todos nasce a necessidade  de ver para crer. Crer que em alguém a esperança se esvaiu com o sangue sugado pela terra dos jardins de tom invernal. "Eu o vi cair" Dizia a mulher que se tornara numa menina assustada descobrindo um mundo menos real do que suas ilusões palpáveis. O "não fica assim" era o único clichê disponível no vocabulário do momento. As risadas alheias que se acoplavam ao cenário tornaram tudo o mais macabro possível, não bastava o dia nublado e as paredes sombrias de sempre. 
Jeremiasmente chorando e lamentando num box do banheiro. Os olhos se avermelharam e "Você o conhecia?" teve uma ríspida e negativa resposta. Não havia lugar para a  preocupação com a opinião alheia. Conhecia. Conhecia aquele que deliberou sobre sua própria existência, findando-a. Reconheci mãos, braços, pernas, cabeça, tronco, como os meus. Eu o conhecia. Ele era alguém. Alguém como eu.
No decorrer da dia, a aula não rendeu. A mochila arrebentou. O ônibus encheu e o último a entrar antes de mim sentou. Lembrei do gato preto e da superstição medieval e boba. Pobre gato preto. Sem comida, sem lar. Talvez ontem não fosse seu dia de sorte. Talvez o gato preto tivesse visto um gato branco".

6 comentários:

  1. Gostei MUITO da dinâmica do texto.
    Dificil não se inserir na situação e sentir um pouco da dor
    Muito triste

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  2. "Jeremiasmente" é uma construção digna de Guimarães Rosa. Você exorciza muito legal, Ju.

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  3. huahauhahuahau! num é pra tanto Percy!

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  4. Infelizmente, o texto é lindo.
    Infelizmento , porquê é real é uma dor palpável.Paradoxalmente no que trarta o texto isso é bom, demostra humanidade a divina, a macabra...

    Sinti muito pela pessoa que se foi. O engraçado (ou macabro) é que não consigo vê- lo como um covarde, como ouvi de tantas pessoas que tem uma resposta exata para o suicídio: covardia.

    Não é apologia, longe de mim! Mas há de ter coragem perante a morte, há de ter coragem pra preferir o desconhecido e abrir mão do sofrimento já conhecido.

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  5. Amanda! com certeza!
    o desconhecido é sempre mais amedrontador!

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Merda ("MERDE!"=sucesso) ou calçada limpa(=fracasso) para mim?